Sem uma política de educação verdadeiramente inclusiva, capaz de alcançar todos os segmentos da sociedade nacional, não será possível corrigir injustiças e distorções estruturais, que seguirão se reproduzindo indefinidamente.
O desenvolvimento econômico e social de uma nação só se efetiva quando a educação de qualidade, adotada como política de estado, assegura ao conjunto da sociedade acesso aos meios que permitam a todos os indivíduos uma competição minimamente equânime por melhores condições de vida.
Sem uma política de educação verdadeiramente inclusiva, capaz de alcançar todos os segmentos sociais, com investimentos consistentes focados na recuperação da defasagem escolar registrada nas franjas mais carentes, mesmo a política de cotas no ensino superior não será suficiente para corrigir injustiças e distorções estruturais.
A propósito, recente relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) aponta que o Brasil investe mais no ensino superior do que em educação infantil, "embora as evidências mostrem que o acesso ao ensino infantil de qualidade não apenas contribui para melhores resultados de aprendizagem, mas também pode ajudar a reduzir as desigualdades. "
Ainda que reconheça como adequados os investimentos do Brasil em educação, a OCDE aponta que o país precisa utilizar esses recursos de forma mais eficiente e "introduzir maior controle nos gastos educacionais''.
E há ainda o risco real de que a retração econômica decorrente da prolongada pandemia de covid-19, mais as consequências – ainda não passíveis de serem avaliadas, mas por certo graves – da guerra na Ucrânia, reduzam receitas orçamentárias para a educação nos próximos anos. O que aumentaria ainda mais a distância a ser percorrida até que as desigualdades sociais não mais se reproduzissem – e se retroalimentassem – no sistema educacional do país.
Como já dissemos aqui, a pandemia expôs – e agravou – as profundas desigualdades que historicamente marcaram o acesso à educação de qualidade no Brasil. Dados recentes apontam que, em 2020, nada menos que 5,1 milhões de crianças e adolescentes, entre 6 e 17 anos, ficaram sem acesso à educação. Enquanto 1,5 milhão deles estavam fora da escola, outros 3,7 milhões, embora matriculados, não tiveram acesso a qualquer atividade escolar impressa ou digital. Ou seja, não conseguiram manter o aprendizado em casa. Por falta de internet ou mesmo de um simples celular.
Mesmo com a epidemia de covid-19 enfim declinando, ainda levará algum tempo para que se possam avaliar a extensão dos danos que causou à educação no Brasil. Como ensino e aprendizado são processos contínuos, não há dúvida de qualquer interrupção ou 'gargalo' em seu desenvolvimento, especialmente com restrição de acesso que afete grandes contingentes de crianças e adolescentes, como ocorreu, terá repercussão duradoura.
Contudo, é fundamental uma tomada de consciência nacional sobre a necessidade de, não só se reduzir os danos causados pela epidemia à educação – especialmente dos mais pobres –, mas de corrigir aquelas disparidades estruturais que sempre reduziram as oportunidades de acesso dos segmentos mais fragilizados ao ensino de qualidade.
Neste sentido, as eleições deste ano podem representar oportunidade ímpar para uma discussão ampla e aprofundada sobre as bases de uma educação verdadeiramente inclusiva, capaz de ser mobilizada como política de estado e instrumento de redução das desigualdades no médio e no longo prazo.
Embora a polarização exacerbada que já se vê agora – e que projeta para os próximos meses uma radicalização perigosa –, não alimente esperanças sobre um providencial 'pacto pela educação', assumido por todos os candidatos a presidente da República, a governador e a cargos legislativos, o cidadão eleitor terá o direito de referendar nas urnas aquela que julgue a melhor proposta para a educação de qualidade de que o Brasil depende para construir seu futuro.
AUTOR: Iran Coelho das Neves, Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul.