Com essas palavras dirigidas ao sumo pontífice João Paulo II, o mundo conhecia Tupã-Y (Deus pequeno, em guarani), em julho de 1980 na capital do Amazonas. Um verdadeiro líder nascido às vésperas dos festejos natalinos no início da década de 20, na localidade denominada Rincão do Júlio, proximidades de Ponta Porã, no então Mato Grosso. Essa mesma voz que fez tremer o planeta, pela repercussão internacional que teve, foi calada com cinco tiros na noite de 25 de novembro de 1983. Conta a história que dias antes ele havia recusado uma oferta significativa de um fazendeiro para que convencesse os kaiowá a saírem da aldeia de Pirakuá, em Bela Vista, para um local específico proposto pelo governo.Foi um calar momentâneo, porque Marçal de Souza, nos manuscritos de seus discursos deixou muito mais que letras alinhadas. Com ele aprendemos a dar valor na tríade de importância: Palavra, Terra e Teko (jeito de ser indígena).
Marçal de Souza já havia completado 63 anos quando feneceu ao lado de sua esposa, a índia Celina Vilhava, com 27 anos e que estava grávida de nove meses, mas, quando o assunto era lutar pela sua gente tinha a vitalidade de um menino. Aliás, órfão antes de completar dez anos, ele foi educado numa missão presbiteriana, na qual aprendeu muito e residiu com um oficial do exército em Recife/PE – onde teve a oportunidade de continuar estudando. Quando retorna a Ponta Porã, já na década de 40, renova-se com a cultura de sua gente e torna-se guia e intérprete dos antropólogos Egon Shaden e Darcy Ribeiro, trabalhando também na condição de enfermeiro no posto da Funai. Inclusive, na ocasião de sua morte, Darcy Ribeiro discursou no senado, chamando o amigo de “brilhante intelectual Guarani”.
Com gestos e palavras eloquentes, Marçal de Souza não foi simplesmente um líder, e sim um símbolo da resistência inteligente e humanitária, procurando ser combativo dentro da legalidade, fato que o promove e o ascende intelectual e espiritualmente. No dia 7 de fevereiro comemoramos o Dia Nacional da Luta dos Povos Indígenas. Lei nº 11.696, de 12 de junho de 2008. A data foi escolhida em homenagem ao líder indígena Sepé Tiaraju, que lutou contra a dominação espanhola e portuguesa no Rio Grande do Sul de 1753 a 1756. Sepé Tiaraju (São Luís Gonzaga, em 1723 — São Gabriel, 7 de fevereiro de 1756) foi um guerreiro indígena Guarani que comandou a revolta dos Sete Povos das Missões contra o Tratado de Madri e enfrentou os exércitos de Portugal e Espanha, em defesa do território localizado nos atuais centro e leste do Paraguai, noroeste da Argentina, sul do Brasil e norte do Uruguai.
Em memória de Sepé e Marçal e tantos outros excelsos intimoratos e intemeratos homens, não podemos deixar que o estampido da pólvora seja mais alto que o diálogo do entendimento, e que a guerra seja maior que a paz; e que o bem seja derrotado pela iniquidade.O título “Ínati ra tikóti énjerui” faz em tradução direta na língua indígena Terena: “A madeira que eu levantei é pesada”. Tantos ancestrais nossos, levantaram ideais e bandeiras pesadíssimas. Será que não chegou a hora de ombrearmos na luta por um Brasil melhor, e o fardo ser mais leve para cada um? Está tramitando na Câmara Federal, por exemplo o projeto de Lei 3074/19, autoria de Dagoberto Nogueira/MS, que prevê o reconhecimento de línguas indígenas como cooficiais em municípios com comunidades dessas etnias. Se aprovada definitivamente a proposta, serviços e documentos públicos de instituições oficiais deverão ser oferecidos em Português e nas línguas reconhecidas Temos ainda um grande horizonte a percorrer! Em memória de Sepé e Marçal e tantos outros excelsos intimoratos e intemeratos homens, não podemos deixar que o estampido da pólvora seja mais alto que o diálogo do entendimento, e que a guerra seja maior que a paz; e que o bem seja derrotado pela iniquidade. Temos força, inteligência e vontade para isso!
*Doutor Honoris Causa, em Literatura, foi laureado com o Troféu Marçal de Souza Tupã-Y. Articulista com 1414 artigos publicados. Teve artigos seus traduzido para a língua Terena, pela Doutoranda em Antropologia pela PUC/SP Lindomar Terena. É membro da Academia Brasileira de História e Literatura. Foi galardeado no Grau de Comendador com as Comendas : Personalidade Literária ALPAS 21, Visconde de Taunay, Germano Carretoni, Vespasiano Martins e Ministro Wilson Fadul.
AUTOR: Rosildo Barcellos – Articulista