Encontrar a palheta certa (plectrum) para tocar um instrumento já é uma arte, hoje existem no mercado até aparadores de palheta com capacidade de corte de milésimos de polegada, para aquelas que se deformam pelo uso. Na região de Barcelos, Portugal, berço do cavaquinho, eram usadas as de casco de tartaruga, Atualmente, além da variação de formatos (triangular e gotas) há disponíveis: a de celuloide e a de tortex nylon e madeira. Mas a história que contarei hoje é ainda mais interessante. Ela fabricava toda sexta feira santa, suas palhetas usando chifre de boi. Apresentou-se em um teatro pela primeira vez aos 67 anos, e gravou discos apenas depois disto. Foi escolhida em 1993 pela Guitar Player como uma das "100 mais" por sua atuação nas violas de 6, 8, 10 e 12 cordas. Imagine ela estar em uma publicação de uma revista ao lado de nada mais nada menos que Jimi Hendrix, Eric Clapton, Keith Richards e B.B. King. Também teve sua história contada em filme, no longa Helena Meirelles, a Dama da Viola. Gravou quatro álbuns “Helena Meirelles" (1994), "Flor da Guavira" (1996) que também é um documentário. Inclusive este documentário tem um detalhe que eu acho interessante:
Aparecem as imagens com o instrumento preferido dela, um violão Del Vechio, presenteado por uma loja de departamentos em São Paulo. No dia em que foi escolher um violão para o filho Francisco, os dois estavam juntos. Ela resolveu ver um e pediu o que tivesse o braço delgado e fino, proporcional ao tamanho dela. Entre vários, escolheu o que aparece nas imagens do documentário, naquela ocasião ficou afinando o instrumento. Ficou horas tocando e resolveu que o levaria. Quando foi verificar as condições de pagamento, o gerente disse: “ o do seu filho a senhora paga, este é um presente da Del Vechio para agradecer a visita da senhora em nossa loja”.Mas continuando; os álbuns ainda gravados foram: "Raiz Pantaneira" (1997) e "De Volta ao Pantanal" (2003).
Helena Pereira Meirelles nasceu em Campo Grande no ano de 1924, na sexta-feira 13 de Agosto, na fazenda Jararaca e morreu em 28 de Setembro de 2005, depois de uma internação na Santa Casa por pneumonia. A vida como instrumentista começou cedo, aos 9 anos de idade, quando olhava com paixão seu avô, Marco Vaz Meirelles, abrigar os viandantes que transcendiam o limite da fronteira e tentavam ganhar a vida no Mato Grosso do Sul, sendo o único da região a dar “pouso” e a criar laços de amizade com “homens paraguaios”, o avô de Helena mal sabia o que acabara de plantar em sua neta. Helena passava horas vendo e ouvindo os nossos “vizinhos”, que sempre levavam seus violões, e qualquer tempo livre se punham a tocar seus “rasqueados” Helena enfrentou sérios problemas com a família, que ameaçava amputar-lhe os dedos para que não tocasse mais. Desta feita, como dito, foi “viver a vida como bem queria” e ela queria tocar. E, para poder tocar, foi ter a vida longe da família em algum lugar que as pessoas gostassem dela. Lá aonde davam tiros no forro dos barracões de acurí, onde um sapukay sempre precedia uma briga de faca. Viveu em casas de tolerância até se tornar septuagenária, e teve 11 filhos. Figurou-se como instrumentista em Porto Epitácio e Aquidauana. Para terminar esta longa história, lembro de uma de suas frases que contava como gravou o seu primeiro disco. Ela dizia: Foi assim...eu estava com uma pneumonia tão forte que não fui eu quem gravou este disco, foi a minha alma. Gravei com febre, dor de cabeça, tontura e pontada. Eu estava morrendo, não comia nem bebia. Assim mesmo gravei. Passei sem comer, passei sem dormir, passei muita amargura, só tinha fé em Deus”. E que esta fé continue a nos mover em acreditar que a música é o lenitivo da alma, como dizia o radialista Ramão Achucarro. Obrigado Helena !.
AUTOR: Rosildo Barcellos - Articulista