Há poucos dias o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), cassou decisões do TCE-PR que permitiram a revisão de remuneração dos servidores públicos. A correção de vencimentos está suspensa até 31/12/2021 pela Lei Complementar 173/2020, que instituiu o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus.
Como é sabido, o Programa beneficiou estados e municípios com a suspensão de pagamento de dívidas com a União, reestruturação de operações de crédito e repasses de recursos federais, para ajuda-los a atenuar as consequências sociais e econômicas da grave e prolongada crise imposta pela pandemia.
Dentre as contrapartidas definidas pela LC 173, a mais abrangente estabelece que os entes federados estão proibidos de conceder reajuste salarial, ou qualquer outra vantagem correlata, até 31 de dezembro de 2021. Trata-se de impedimento legal francamente defensável e oportuno, no contexto em que estados e municípios – e, portanto, a sociedade – são socorridos pela União. Tanto com recursos diretamente transferidos, quanto com a suspensão de dívidas.
A propósito, desde a instituição do Programa Federativo de Enfrentamento do Coronavírus, o TCE-MS está permanentemente empenhado, nos limites de suas atribuições constitucionais, em assegurar que seus jurisdicionados (Estado e municípios) cumpram o fixado na LC 173/2020. Especialmente em relação ao impedimento de reajustes para os servidores.
Foi o que nos levou a editar, a 25 de maio último, a Recomendação Conjunta TCE-MS/MPMS 1/2021, asseverando a necessidade de rigorosa obediência à contrapartida de estados e municípios fixada no artigo 8º daquela LC, que define o conjunto de vantagens e benefícios – correção de vencimentos à frente – que estão suspensos até 31 de dezembro próximo.
Editada como expressão genuína do espírito republicano que confere aos órgãos de controle externo a responsabilidade de, sempre que possível, prevenir riscos de ilegalidades, a Recomendação foi alvo de críticas corporativas pontuais, e de uma certa 'mídia' incapaz de mensurar o alcance de uma medida que exige sacrifício temporário de alguns segmentos, em benefício do conjunto da sociedade.
À época da Recomendação, há meses o plenário do STF havia reafirmado a constitucionalidade da LC 173, e o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) suspendera, com efeitos retroativos, duas leis municipais que concederam reajustes em afronta ao Programa de Enfrentamento ao Coronavírus. Ou seja, o TCE-MS e o MPMS tão somente cumpriam seu dever constitucional e, mais ainda, sua responsabilidade social e moral, de advertir os entes jurisdicionados para a gravidade de transgressões a um diploma legal e legítimo.
Agora, a decisão do ministro Alexandre de Moraes que cassou reajustes de remuneração, autorizados por nosso congênere paranaense em processos de consulta, reforça não só a propriedade e a tempestividade daquela nossa Recomendação, mas, sobretudo, o seu salutar caráter preventivo.
Com aquele expediente institucional de cunho orientativo, TCE-MS e MPMS contemplaram reforçar junto aos gestores jurisdicionados a segurança jurídica que lhes assegura a LC 137, para não conceder qualquer reajuste de remuneração até o final deste exercício. Mas também buscaram, com o alerta, deixar patente que municípios que afrontaram aquele diploma legal deveriam suspender imediatamente as correções concedidas.
Foi o que fez o município de Naviraí, cuja prefeita, Rhaiza Matos, prestou reverência institucional ao TCE-MS ao apresentar pessoalmente à direção da Corte a proposição enviada à Câmara Municipal para revogar a reposição concedida ilegalmente.
Ainda que haja notícia de que alguns municípios do estado tenham feito reajustes a seus servidores – incorrendo em infrações graves, inclusive de invasão de competência privativa da União –, eles são exceção no âmbito de jurisdição do TCE-MS. Ou seja, os danos ao erário e as consequências da anulação de correções salariais ilícitas na vida dos servidores serão pontuais em nosso estado. Mas, ainda assim, lamentáveis.
Sem entrar, em absoluto, no mérito das decisões do TCE-PR agora anuladas pelo STF, é possível imaginar o grau de intranquilidade que atinge o conjunto dos servidores daquele estado, diante da possibilidade real de se verem obrigados a devolver valores correspondentes ao reajuste agora tornado ilegal.
A Recomendação conjunta TCE-MPMS visou exatamente prevenir, pela admoestação esclarecedora, não só as consequências, para os gestores, do descumprimento da LC 137, mas os danos objetivos que a devolução de benefícios e vantagens considerados ilegais representam para servidores públicos que a eles teriam direito indiscutível, não fosse a situação de calamidade que exigiu instituir o Programa Federativo de Combate ao Coronavírus.
Por este ângulo, a decisão do Ministro Alexandre de Moraes confere àquela Recomendação uma dimensão social e humana que vai muito além do caráter pedagógico que a inspirou. (Texto: Iran Coelho das Neves, Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul).