Em outubro de 2020, o IBGE apontava que em torno 5,5 milhões de crianças e adolescentes, entre 6 e 17 anos, não haviam tido acesso a atividades escolares ao longo do ano.
Como não poderia deixar de ser, o TCE-MS associou-se prontamente à campanha 'Fora da Escola Não Pode' que, idealizada pelo Fundo das Nações Unidas Para a Infância (Unicef) e assumida no Brasil por diversas instituições, busca mobilizar gestores nos diferentes níveis de governo para enfrentar a exclusão e a chamada 'cultura do fracasso escolar' na educação básica.
A campanha institucional busca articular uma resposta, ao mesmo tempo urgente e duradoura, para o imenso desafio representado pelo agravamento dos índices de abandono – quando o aluno deixa a escola, mas volta no ano seguinte – e evasão – quando não volta mais ao sistema de ensino – escolar no Brasil.
A pandemia de covid-19 'apenas' deu cores dramáticas a um cenário que já era muito preocupante, com reprovação, abandono, evasão e distorção entre idade e série escolar, muito acima da média de países com indicadores socioeconômicos similares aos nossos. Com ela, as disparidades sociais se aprofundaram, com graves reflexos na educação.
Pesquisa do IBGE divulgada em outubro de 2020 apontava que em torno de 5,5 milhões de crianças e adolescentes, entre 6 e 17 anos, não haviam tido acesso a atividades escolares ao longo do ano. Nada menos que 1,38 milhão de alunos abandonaram a escola, ou seja 3,8% dos estudantes. Taxa que representa quase o dobro da média de 2019, que ficou em 2%, segundo a Pnad Contínua.
Outro efeito perverso da pandemia está na constatação de que 4,12 milhões de alunos (11,2% dos matriculados no ano passado) não tiveram acesso a nenhuma atividade escolar, principalmente por não disporem de computador ou telefone celular, fundamentais para o aprendizado online, única alternativa diante da suspensão de aulas presenciais.
Para uma ideia sobre as funestas consequências do déficit de tecnologia básica, que deveria estar acessível a todos para tornar mais inclusivo o ensino público online, pesquisa realizada em abril/maio do ano passado em quatro mil municípios mostrou que apenas 33% dos lares dispunham de computador e de acesso à internet.
Como, obviamente, são os domicílios mais pobres os que não dispõem de computador ou, em muitíssimos casos, nem mesmo de um aparelho celular, significa dizer que crianças e adolescentes mais vulneráveis formam o contingente dos excluídos do ensino remoto.
Ou seja, a gravíssima e prolongada crise sanitária tem como trágico efeito colateral a reprodução e o agravamento da desigualdade social crônica. Cuja redução só poderá começar com a garantia de educação básica de qualidade para os que estão na base da pirâmide.
As expectativas, porém, não são animadoras.
Se em 2019, segundo o próprio relatório do Unicef que respalda a campanha 'Fora da Escola Não Pode', dos 27,7 milhões de matriculados na rede pública de Educação Básica nada menos que 2,1 milhões foram reprovados e 620 mil deixaram de vez os estudos (evasão), as consequências da suspensão das aulas presenciais ao longo de 2020 terão repercussões negativas duradouras e, em muitos casos, irreversíveis.
Não há dúvida de que quadro tão sombrio representa séria ameaça sobre o futuro de boa parte de nossas crianças e adolescentes. Especialmente daqueles mais pobres, cujas dificuldades estruturais para acessar o sistema de ensino – e frequentá-lo regularmente – foram drasticamente agravadas pela pandemia.
Diante do que, é urgente o máximo empenho de todas as esferas de governo, de outras instituições públicas e da sociedade civil, para que iniciativas como esta do Unicef possam mobilizar todos os esforços para reduzir os danos desse 'apagão escolar' que a pandemia de covid-19 apenas tornou mais grave e explícito.
AUTOR: Iran Coelho das Neves é Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul.