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ARTIGO: Educação na pandemia: Dois professores, duas historias


Iran Coelho das Neves, presidente do TCE-MS. (Foto: Assessoria)

 

Como vimos no artigo anterior, no Brasil o ensino remoto imposto pela pandemia enfrenta grandes desafios e expõe desigualdades sociais crônicas, aprofundando-as ainda mais, na medida em que os alunos pobres, sem equipamento adequado e sem acesso à internet, terão aprendizagem ainda mais defasada em relação aos que dispõem de meios adequados.

Relatório recente da OCDE projeta uma queda de 1,5% no PIB mundial, até o fim do século, em consequência dos impactos da pandemia na educação. Esse baque será ainda maior em países como o nosso, onde a alta taxa de contágio e o persistente número elevado de mortes diárias têm prolongado a suspensão das aulas presenciais.

Um agravante a dilatar ainda mais o prazo para retorno seguro às escolas, diz a OCDE, é a quantidade de alunos por sala de aula no Brasil: até o 5º ano do ensino fundamental temos uma média de 23 alunos por classe – 10ª pior posição entre 32 nações pesquisadas –, enquanto nos anos finais do ensino fundamental (do 6º ao 9º ano) essa média salta para 27 alunos, situando o país na 6ª pior posição.

Esses números permitem dimensionar o enorme desafio de uma testagem em massa – e frequente, claro – da clientela escolar, para que se possa falar de retorno às escolas, mesmo com frequência reduzida em sistema alternado.

Há, porém, um estimulante contraponto a esses índices desafiadores, às fragilidades crônicas de nosso sistema educacional e aos muitos percalços impostos pela adoção repentina – e, por isso, improvisada – do ensino remoto: o senso de profunda responsabilidade social e humana de professoras e professores, cujos exemplos de compromisso com a educação, com o futuro de seus alunos, nos dão razões de sobra para ter esperança.

É o caso da professora Maria Fatima Diaz, do município sul-mato-grossense de Porto Murtinho. A cada 15 dias ela percorre, com seu próprio carro, 90 quilômetros de estradas ruins, para entregar o caderno de atividades aos alunos de uma escola rural. Sem acesso à internet, a maioria deles tem na professora a sua conexão segura com a oportunidade de aprender em tempos de pandemia.

Vale reproduzir parte das declarações emocionantes da professora Maria Fatima Diaz, como testamento de fé na educação como ferramenta de transformação:

"(...) Alguns alunos não poderiam ficar sem acesso ao material só porque no retiro (moradia na fazenda, onde vivem as pessoas responsáveis por cuidá-la) não tem acesso à internet. Então eu seleciono as atividades de acordo com o planejamento e levo tudo impresso." E prossegue: "Vou com toda felicidade do mundo. Entrego as atividades, os pais assinam o termo de recebimento, e eu vejo o sorriso dos meus alunos."

No Recife, Arthur Cabral, jovem de 29 anos, cumpre jornada parecida, embora não disponha de um carro. Toda sexta-feira pedala por sete quilômetros até a cidade vizinha de Camaragibe, onde é professor de Ciências em uma escola estadual. Dali, sempre a bordo de sua bike, faz roteiro digno de um mensageiro da educação em tempos estranhos: visita pelo menos vinte casas de alunos do 6º e 7º anos do ensino fundamental, levando as tarefas de várias disciplinas.

Arthur Cabral conta com o apoio de colegas professores para as despesas com impressão do material que chega às mãos dos alunos que não têm como acompanhar as aulas online. Boa parte deles não tem acesso à internet e alguns não contam sequer com um aparelho celular.

O testemunho do jovem professor de Pernambuco é confirmação contundente de que a genuína vocação de ensinar desconhece obstáculos e desafia a mais áspera realidade:

"Gasto em torno de três horas para entregar todas as atividades. Muitos estudantes moram em local de difícil acesso, com escadaria. Em alguns, nem de bicicleta consigo entrar. Preciso deixá-la em um ponto e ir caminhando. Tem uma ladeira que só para subir eu levo dez minutos."

Separados por mais de 3,5 mil quilômetros, a professora Maria Fatima Diaz e o professor Arthur Cabral se fazem próximos pela comunhão dos mesmos ideais que movem os verdadeiros educadores.

Guardiã de nossas fronteiras e berço de uma generosa miscigenação que funde nacionalidades, a brava Porto Murtinho deve se orgulhar da professora Maria Fatima Diaz. Como o professor Arthur Cabral, ela encarna o que de mais nobre e altruísta uma sociedade pode esperar dos que têm o sagrado mister de trabalhar os corações e mentes de nossos filhos.

 

AUTOR: Iran Coelho das Neves, Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul.

 

 


Fonte: Iran Coelho das Neves - Presidente do TCE-MS