Uma equipe da Força Nacional usou uma ação social com pula-pula e lanches para distrair e expulsar indígenas Guarani Kaiowá que invadiram uma fazenda reivindicando a demarcação de terra do território Kurupi, no município de Naviraí, Mato Grosso do Sul, divisa com o Paraná, no dia 22 de maio.
Enquanto os indígenas participavam da ação social, barracos construídos por eles foram destruídos por uma retroescavadeira. Ao mesmo tempo, funcionários da fazenda começaram a construção de uma cerca no limite da propriedade.
“Pensei que era só uma brincadeira, mas já vieram com estratégia montada. Enquanto as crianças se divertiam, sem a gente perceber, duas viaturas saíram do nosso meio e subiram para a fazenda. Quando a gente percebeu, já baixaram escoltando uma retroescavadeira que destruiu nossos barracos e nossa casa de reza”, relatou uma liderança indígena ao Metrópoles.
BRIGA ANTIGA
Os Guarani Kaiowá brigam por essa terra há mais de uma década. Desde 2014, os indígenas conseguiram um acordo na Justiça para ficar em um pedaço delimitado dessa terra, enquanto não se definia a demarcação definitiva do local.
Em junho de 2022, os Guarani Kaiowá dessa região decidiram ampliar sua ocupação e invadiram uma faixa de terra de uma fazenda vizinha, como forma de pressionar pela demarcação da região.
O caso foi parar na Justiça Federal e os fazendeiros decidiram construir uma cerca para impedir a entrada dos indígenas. Em meados de abril deste ano, o juiz federal Rodrigo Vaslin Diniz determinou que a cerca começasse a ser construída em maio e que a Força Nacional garantisse a segurança do local, evitando qualquer tipo de confronto.
ACIRRAMENTO DA DISPUTA
Depois da ação social com pula-pula e a destruição dos barracos, o clima ficou mais acirrado entre os indígenas, os funcionários da fazenda e a Força Nacional.
Segundo manifestação da Polícia Federal de 22 de maio, cerca de vinte indígenas tentaram cercar uma equipe da Força Nacional. “A maioria deles munidos de arcos e fechas, facões e armas perfuro contundentes”, escreveu em trecho do documento.
Diante dessa situação, o mesmo juiz Rodrigo Vaslin, determinou em 23 de maio a suspensão da construção da cerca entre a fazenda e a terra indígena. O magistrado determinou que os indígenas respeitem o acordo de 2014 e fiquem no pedaço de terra acordado na época até que se conclua o procedimento demarcatório.
CONFLITO CONTINUA
Os indígenas voltaram a construir moradias na área. Eles chamam a invasão de retomada e defendem que sem essa pressão não vão conseguir a demarcação do território.
“Ficar oprimido em um cantinho não ajuda em nada. Na visão deles, a gente tem que ficar no lugar que eles mandaram, mas enquanto isso vai prolongando, só fica na fala, a questão de demarcação vai enrolando, os anciãos vão morrendo e assim por diante. Se a gente não entrar em ação, ninguém vai chegar e falar ‘a demarcação vai acontecer’”, afirmou a liderança dos Guarani Kaiowá.
A disputa é acompanhada pelo assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Anderson Santos. Ele entendeu que houve um equívoco do judiciário ao determinar a construção da cerca com apoio da polícia.
“A gente vê um abuso de autoridade do juiz porque a ação não é de obrigação de fazer, é uma ação possessória. Além de colocar um serviço público (Força Nacional) para fazer um serviço particular, a construção de cerca”, defendeu.
PERDA DO TERRITÓRIO
Segundo o assessor jurídico, caso o marco temporal seja aprovado no Congresso Nacional, o povo Guarani Kaiowá não vai conseguir a demarcação da terra Kurupi no Mato Grosso do Sul.
O Marco Temporal foi aprovado na última terça-feira (30 de maio) na Câmara dos Deputados e segue para votação no Senado. O texto do projeto de lei considera que só é direito dos indígenas os territórios que estavam ocupados na data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.
Enquanto há essa indefinição sobre a demarcação, conflitos em territórios indígenas se multiplicam pelo país.
Um estudo recente do Instituto Sou da Paz revelou que 23% das intervenções da Força Nacional nos últimos quatro anos foram em terra indígena.
A reportagem entrou em contato com o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), responsável pela Força Nacional, e com o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), mas não houve resposta até a publicação desta reportagem. (Com informações Sul News).